A Religião de Umbanda não possui, como várias denominações religiosas espalhadas pelo mundo, um codificador, ou alguém que tenha deixado estabelecidas as bases doutrinárias para os demais seguidores que surgiriam no futuro. A Umbanda Sagrada surgiu humilde, como era também humilde o médium que foi instrumento do Caboclo das Sete Encruzilhadas, sem muita preocupação com dogmas ou regras doutrinárias. Na verdade, sempre foi assim com os grandes Missionários da Luz. A maior parte dos representantes de Deus foi composta de homens simples, com pouca bagagem intelectual, quase analfabetos, sem muita riqueza material. Davi, o escritor dos Salmos, era um humilde pastor de ovelhas; Gandhi, era um homem pobre que vivia entre a gente simples do seu país; Pedro, um pescador, que nem barco possuía; Jesus, carpinteiro e por causa disto, arrimo de família. Muitos outros podem ser citados, mas apenas como exemplos de homens que, mesmo sem possuir títulos de doutores ou mestres, foram detentores de uma virtude muito maior que eles mesmos: o amor ao próximo. E, devido a isto, foram convocados e preparados para a obra que os Espíritos precisavam realizar na Terra. Não podia ser diferente com aquele que tornar-se-ia o marco da Religião de Umbanda, o homem chamado Zélio Fernandino de Moraes.
Antes de Tudo
Zélio Fernandino de Moraes nasceu em Neves, no município de São Gonçalo – Estado do Rio de Janeiro, no dia 10 de abril de 1892. Era filho de Joaquim Fernandino Costa e Leonor de Moraes. Quando estava com 17 anos de idade, o rapaz começou se preparar para ingressar na vida militar, tomando como exemplo o seu pai que era Oficial da Marinha. Já havia concluído o ensino médio e a carreira militar parecia ser o destino de Zélio, até que algumas coisas estranhas começaram a acontecer. Zélio começou a demonstrar algo parecido com desvio de personalidade, quando por vezes era visto falando manso, encurvado como se fosse um ancião, usando um linguajar e um sotaque diferentes do costumeiro e falando coisas sem sentido. Outras vezes, já assumia uma postura mais viril e falando com desenvoltura acerca da natureza e seus mistérios. A família preocupou-se com os acontecimentos que eram por demais estranhos. Provavelmente, Zélio estaria entrando num quadro de doença mental, e isto ia atrapalhar sua carreira militar. Os ataques passaram a ser mais frequentes. O tio de Zélio, Dr. Epaminondas de Moraes, médico psiquiatra e diretor do Hospício da Vargem Grande, foi quem recebeu o rapaz para realizar algumas pesquisas. Muitos dias de observação não foram suficientes para que o médico pudesse dar um diagnóstico, já que o que ele apresentava não era nada ligado à psiquiatria. Os sintomas de Zélio fugiam a tudo o que a literatura médica relatava. Dr. Epaminondas sugeriu então que Zélio fosse conduzido a uma sessão de exorcismo, pois acreditou que o problema do sobrinho era de natureza espiritual. Segundo o médico, Zélio estaria endemoniado. Chamaram um padre católico, tio também de Zélio, que realizou o exorcismo para afastar o demônio do corpo do futuro militar. Porém, depois de três tentativas frustradas, as manifestações continuaram. Passado algum tempo, Zélio foi acometido de um outro ataque. Desta vez, uma estranha paralisia tirou-lhe os movimentos dos membros inferiores, e, novamente, os médicos não conseguiram diagnosticar nada. Foi aí que, inesperadamente, Zélio levantou-se de seu leito e disse: “Amanhã estarei curado.” Diante do olhar assombrado de todo mundo, no dia seguinte, Zélio Fernandino de Moraes começou a andar, normalmente, como se nada tivesse acontecido. Um amigo da família sugeriu que o rapaz fosse levado à Federação Espírita de Niterói, recém-fundada e presidida por José de Sousa, chefe de departamento da Marinha.
Mesa Branca
No dia 15 de novembro de 1908, em meio aos estranhos ataques, Zélio foi conduzido ao Sr. José de Sousa, presidente da Federação Espírita, e lá o convidaram a sentar-se à mesa. Levantou-se de repente e disse: “Aqui falta uma flor.” Saiu até o jardim, apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa onde se realizavam os trabalhos mediúnicos. Aquilo ia totalmente contra as normas da instituição, pois a ninguém era permitido circular pelo ambiente durante a reunião. O Sr. José de Sousa, que também era clarividente, percebeu a presença de um Espírito manifestado através de Zélio e então perguntou: “Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?” Ao que respondeu o Espírito: “Eu sou apenas um caboclo brasileiro.” José de Sousa retrucou: “Você se identifica como caboclo, mas vejo em você restos de vestes sacerdotais.” “O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior“, respondeu o Espírito. “Fui padre. Meu nome era Gabriel Malagrida, acusado de bruxaria. Fui sacrificado na fogueira da inquisição por haver previsto o terremoto que destruiu Lisboa em 1755. Mas, em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo brasileiro.” “E qual é o seu nome?” interrogou o Sr. José. Diante da pergunta, o Espírito identificou o que seria o primeiro de uma série de muitos que desceriam nos Centros de Umbanda. “Se é preciso que eu tenha um nome, digam que eu sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas” respondeu ele com orgulho”, pois para mim não existirão caminhos fechados. Venho trazer a Umbanda, uma religião que harmonizará as famílias e que há de perdurar até o final dos séculos.” O Sr. José de Sousa indagou então se já não havia religiões suficientes na Terra para que aquele Espírito viesse inaugurar mais uma. O Espírito então respondeu: “Deus, em Sua infinita bondade, estabeleceu na morte o grande nivelador universal. Rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos tornam-se iguais na morte, mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar estas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não podem nos visitar estes humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além? Por que o não aos caboclos e pretos-velhos? Acaso não foram eles também filhos do mesmo Deus?… Amanhã, na casa onde meu aparelho mora, haverá uma mesa posta a toda e qualquer entidade que queira ou precise se manifestar, independente daquilo que haja sido em vida. Todos serão ouvidos, nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos aqueles que souberem menos, e a nenhum viraremos as costas. A nenhum diremos não, pois esta é a vontade do Pai.” “E que nome darão a essa igreja?” “Tenda Nossa Senhora da Piedade, pois da mesma forma que Maria ampara nos braços o filho querido, também serão amparados os que procurarem socorro na Umbanda. Cada colina de Niterói servirá de porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei”.
O Início
Antiga residência da família Moraes, em São Gonçalo das Neves no dia 16 de novembro, desta vez na casa de Zélio, situada à Rua Floriano Peixoto, 30, em São Gonçalo das Neves, perto das 20h00min, estavam presentes membros da Federação Espírita, parentes, amigos, vizinhos e uma multidão de desconhecidos curiosos. O fato ocorrido na Federação, na véspera, correu pelas ruas de Neves e todos foram movidos pelos Espíritos para servirem de testemunhas do que aconteceria naquela humilde casa da família Moraes. Às 20h00min, pontualmente, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas e com uma bela mensagem de abertura, deu início à Religião de Umbanda Sagrada. “Vim para fundar a Umbanda no Brasil. Aqui inicia-se um novo culto, em que os Espíritos de pretos velhos africanos e os índios de nossa terra poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno será a característica principal deste culto.”
“Cachimbo Está no Toco”
Depois de algumas previsões, aplicação de passes e doutrinação, o Espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas informou que devia se retirar, pois outra entidade precisava se manifestar. Incorporou então no médium Zélio, uma entidade reconhecida como “preto-velho”. Saiu da mesa, dirigiu-se a um canto da sala e lá permaneceu agachado. Perguntaram porque não queria ficar na mesa. Ao que respondeu o Espírito: “Nego num senta não, meu sinhô. Nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arrespeitá”. Assim mesmo continuou dizendo outras coisas, mostrando a simplicidade, humildade e mansidão daquele que se fez identificar como Pai Antônio. Rapidamente cativou a todos com seu jeito doce e meigo. Quando lhe perguntaram se desejava algum agrado, respondeu: “Minha cachimba… Nego qué o pito que deixou no toco. Manda muleque buscá”. Na semana seguinte, todos trouxeram cachimbos, que sobraram tamanha foi a quantidade. Assim, o cachimbo foi instituído na Linha de Trabalho dos Pretos-Velhos, sendo também a primeira entidade a pedir uma guia (colar) de trabalho. Nos dias seguintes, verdadeiras romarias se formavam na casa de Zélio. Enfermos vinham em busca de cura e ali a encontravam, em nome de Jesus. Médiuns, cuja manifestações haviam sido consideradas como loucura, deixaram sanatórios e deram provas de suas excelentes qualidades mediúnicas. O pai de Zélio era abordado frequentemente pelas pessoas que queriam saber como ele aceitava tudo o que vinha acontecendo em sua residência. Respondia que preferia ter um filho médium no lugar de um filho louco. O trabalho realizado para esclarecimento, difusão e sedimentação da religião de Umbanda foi árduo e incessante. Em 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens do Astral Superior para fundar sete tendas para a propagação da Umbanda. As agremiações ganharam os seguintes nomes: Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, Tenda Espírita Santa Bárbara, Tenda Espírita São Pedro, Tenda Espírita Oxalá, Tenda Espírita São Jorge e Tenda Espírita São Jerônimo. O uso do termo espírita e de nomes católicos nas tendas fundadas tiveram como causas o fato de que naquela época não se podia registrar o nome Umbanda e era também uma maneira de estabelecer um ponto de referência para fiéis da religião católica que procuravam os préstimos da Umbanda. Em 1935, estavam fundados os sete templos idealizados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, conforme havia predito, nas colinas de Niterói. O ritual estabelecido pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas era bem simples, com cânticos baixos e harmoniosos, vestimenta branca e a proibição de sacrifícios de animais. Dispensou os atabaques e outros instrumentos de percussão, além das palmas. Capacetes, espadas, cocares, vestimentas de cor, rendas e lamês não seriam aceitos. As guias utilizadas seriam apenas as que determinassem a Entidade que se manifestasse. Os banhos com ervas, os Amacis (lavagem de cabeça), a concentração nos ambientes vibratórios da natureza e o ensinamento doutrinário baseado no Evangelho, constituiriam os principais elementos de preparação do médium.
Cabana do Pai Antônio, em Cachoeiras de Macacu – RJ
Enquanto Zélio Fernandino de Moraes esteve encarnado foram fundadas mais de 10.000 tendas. Após 55 anos de atividade entregou a direção dos trabalhos da Tenda Nossa Senhora da Piedade a suas filhas Zélia e Zilméia. Mais tarde, junto com sua esposa Maria Izabel de Moraes, médium ativa da tenda e aparelho do Caboclo Roxo, fundou a cabana de Pai Antônio, no distrito de Boca do Mato, em Cachoeiras de Macacu-RJ. Zélio Fernandino de Moraes desencarnou no dia 03 de outubro de 1975. Suas filhas deram continuidade ao trabalho e a Tenda Nossa Senhora da Piedade existe até hoje sob a direção de Zilméia de Moraes, sua filha que aos 88 anos de idade se mostra muito lúcida e ativa na frente dos trabalhos.
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